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sábado, 23 de abril de 2011

Desvio de Função: A relação com o Princípio da Moralidade e seus reflexos na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa)

A Carta da República de 1988, estabelece em seu inciso I do Art. 37, que os cargos, empregos e funções públicas serão ocupados pelos que preencherem os requisitos previamente estabelecidos em lei. Como é de conhecimento amplo, a principal forma de ingresso no serviço da Administração é através do concurso público. Este tem por objetivo recrutar indivíduos para o exercício dos cargos da Administração, para tanto, testa as capacidades intelectuais, físicas e psíquicas para o desenvolvimento das funções públicas. O concurso, portanto, seleciona, especificamente, os indivíduos a um cargo em particular dentro do quadro geral do “funcionalismo público”. Assim, a investidura em cargo público obedece à complexidade e a natureza do cargo ou emprego (inciso II), realizando o servidor público as funções que lhe são particulares, na forma prevista em lei.

Ocorre que, internamente ao serviço público, não são raras as situações em que se encontra um determinado servidor realizando atribuições que não são inerentes à função a qual foi investido. É a isto que se chama de desvio de função no funcionalismo público. O servidor realiza atividades diversas das características do cargo ao qual ingressou no serviço público e, muitas vezes, o desvio já nasce desde o seu ingresso.

O princípio da moralidade, como nos ensina José dos Santos Carvalho Filho, determina que o administrador público deve pautar sua conduta em princípios éticos e nas regras da boa moral, distinguindo o honesto do desonesto. Tal comportamento não está adstrito somente à relação da Administração com os administrados, todavia, deve permear também o âmbito interno da Administração, ou seja, da Administração com seus agentes públicos, onde se incluem os servidores públicos. Ainda segundo o eminente doutrinador, a moralidade está associada a noção do bom administrador, que deve conhecer a lei assim como os princípios a ela ligados. De forma geral, a atividade pública, ou seja, o exercício dos cargos públicos, deve estar conexa com os princípios e normas a ela inerentes, destacando-se a legalidade e a moralidade.
O agente público que não age em conformidade com os princípios elencados no caput do Art. 37 e desobedece às normas inerentes à sua função e a do funcionalismo público, comete ato de improbidade administrativa, referidos atos encontram-se disciplinados pela Lei 8.429/92.

Isso posto, seria o desvio de função um ato de improbidade administrativa por parte do administrador que coaduna ou colabora com essa anomalia?

Resta demonstrado que o desvio de função consubstancia-se no exercício de funções não atinentes ao cargo em que o servidor foi investido, diversas das suas atribuições originais. Tal fato afronta diretamente a disposição constitucional que estabelece que a investidura, e porque não dizer o exercício, do cargo público deve obedecer a natureza e complexidade características dele, ou seja, que o servidor deve exercer as atividades as quais se preparou, mediante a realização de concurso público, previamente estabelecidas em lei.

Como outrora exposto, os desvios de função no quadro do funcionalismo público não são raridade, ao contrário, são muito comuns, tendo em vista a desproporção entre o tamanho da máquina estatal, suas muitas atribuições e a escassez de servidores, o que acarreta, muitas vezes, o acúmulo de cargos, hipótese proibida constitucionalmente (Art. 37, XVI, CF) e os desvios de função, estes sem “tipificação” expressa, todavia, resultante da interpretação dos ditames constitucionais. Assim, para muitas vezes suprir as necessidades da Administração, alguns administradores tornam-se "cegos" para situações como esta, anuindo em silêncio por acreditarem que estão a fazer um “suposto” bem para a Administração, permitindo a prática de que servidores desempenhem atribuições às quais não foram preparados e em total descompasso com os ditames legais, gerando enriquecimento indevido do Estado.

A Lei 8.429/92 elenca três categorias de atos considerados improbos, a saber: a) os que dão ensejo a enriquecimento ilícito, b) os que geram prejuízo ao erário e c) os que ofendem os princípios da Administração Pública. Os últimos, particularmente, são os que se amoldam na conduta dos administradores que anuem com o desvio de função, pois “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições” (Art. 11). Pelo exposto, que outro ato seria, senão de improbidade, daquele que anui com o desvio de função de servidores públicos? uma vez que viola os princípios da legalidade – constitucionalmente, no que se refere que a investidura (e exercício das atribuições) deve estar em conformidade com a complexidade e a natureza do cargo e, legalmente, uma vez que todos os atos dos agentes públicos devem se fundar na lei, não havendo disposição permissiva acerca do desvio de função – e da moralidade, pois o ato de anuir, explícita ou silenciosamente, evidenciam a ausência dos princípios éticos, em distinguir o honesto (permitido) e o desonesto (proibido).

O desvio de função também constitui hipótese de dano ao erário, pois, no Brasil, inúmeras demandas judicias são decididas em desfavor da Administração gerando o pagamento de vultosas “indenizações” a servidores públicos que exercem atribuições não inerentes ao seu cargo originário, inclusive com conteúdo já sumulado pelo STJ.

Além de se constituir ato de improbidade administrativa, a permissibilidade ilegal do desvio de função prejudica o desenvolvimento correto das atividades inerentes à Administração, já que um servidor que exerce funções para as quais não foi preparado está mais suscetível a cometer erros ao se deparar com situações complexas, tendo em vista que sua preparação é, muitas vezes, limitada. Indiretamente (e diretamente), essa situação ocasiona prejuízos não só ao desenvolvimento da atividade pública, como também á prestação dos serviços públicos.

Um exemplo recorrente é o que encontramos nas Fazendas Públicas nos três níveis de governo. O Art. 37, inciso XXII da CR/88, versa que as atividades tributárias, essenciais ao funcionamento do Estado, serão exercidas por servidores de carreiras específicas, todavia, é comum o desvio de função para realização de tarefas privativas dessas carreiras, o que aumenta enormemente a possibilidade de falhas em um âmbito tão complexo e relevante como o da fiscalização e arrecadação tributárias.

Uma vez configurado o ato de improbidade, obedecer-se-ão as disposições pertinentes do Art. 14 ao Art. 23 da Lei 8.429/92. Sinteticamente, após apurados os fatos por meio de processo disciplinar liderado pela autoridade administrativa superior do improbo, o Ministério Público proporá a ação de improbidade principal, com fins de proteger a moralidade administrativa. Vale destacar aqui que também são cabíveis a ação popular (Art. 5°, LXXIII, CF e Lei 4.717/65), onde qualquer cidadão é parte legítima para propor esta ação, com fundamento no tradicional pressuposto da lesividade, como preleciona José dos Santos Carvalho Filho, e a ação civil pública (Art. 129, III, CF e Lei 7.347/85). Esta última cabe como remédio jurídico também, pois leva em consideração que os atos de improbidade ferem interesses difusos, assim entendidos como aqueles que são compartilhados igualitariamente por todos os integrantes de determinado grupo. O ato de improbidade atenta contra a Administração diretamente e, indiretamente contra seus administrados, que sofrerão as consequências advindas dele.

Após exposição, conclui-se que comete ato de improbidade administrativa aquele que anui com o desvio de função, tendo em vista o disposto na Constituição da República e nas normas infraconstitucionais mencionadas alhures. Configura clara ofensa aos princípios da moralidade e da legalidade, inerentes ao exercício das atribuições públicas. Assim sendo, deve ser evitado e punido, sob pena de se desvirtuar o serviço público, tornando-o ainda mais ineficiente, moroso e precário.

* Autora: Jamilly Queiroz é estudante de Direito da Universidade Federal do Pará - Abril / 2011

Um comentário:

  1. Sérgio de Paula Santos25 de abril de 2011 às 09:18

    Excelente lembrança sobre a ação popular...

    Desvio de função, como se resolve?
    Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos, por exemplo, do art. 5º, LXXIII, da Constituição.

    O povo... Falando nisso, qual a autoridade moral da Carta da República para ditar as regras de acessibilidade nos cargos depois da EC 19? Acaso não há positivado o sistema de provimento na investidura (nomeação) e de evolução entre cargos (promoção) que, no final, afeta a possibilidade de recursos prioritários dos fiscos na própria esfera constitucional, por exemplo?

    Cabe à administração pública escolher o que lhe convém, ou lhe seja oportunizado não fazer o que está em lei quanto a manifestação de carreiras, estando isso positivado na Magna Carta?

    Aliás, quanto à cidadania, no caso das carreiras sem promoção nos fiscos, será que essa questão não afeta o vínculo pleno da atividade administrativa na cobrança de tributos, ou seja, a relação fisco-contribuinte?

    O que seria o fenômeno carreira no dever-ser constitucional para que um cidadão consiga enxergar a sua ocorrência ou não, e assim se demonstrando para ele o que é honesto e desonesto sobre desvio de função e sobre ascensão funcional dentro do Estado? E as carreiras DAS’s, ninguém nota o dedo de quem indica nisso?

    Sim, as nulidades de atos que afetem a moralidade administrativa são cabíveis de petição, conforme o art. 5º, LXXIII, da Constituição e tem-se, por analogia, a Lei nº 4717/65 (sobre lesão ao patrimônio), Sobre moral, trata-se do conjunto das regras de convivência, valoradas pela ética e, nesse caso, somente as VIRTUDES da lei podem obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa...

    Sérgio de Paula Santos - ATRFB

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