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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Mandado de Procedimento Fiscal e Seus Limites Constitucionais


          O presente artigo, longe de querer encerrar o debate em matéria jurídico-administrativa tão complexa e controversa, tem o intuito de chamar a reflexão os Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil - ATRFB, e tão somente os que participam de algumas incursões da Receita Federal em empresas privadas (as chamadas operações), sobre os limites legais do exercício do “poder de polícia” presente em um Mandado de Procedimento Fiscal – MPF, previsto no Decreto nº 6.104, de 30/04/2007, que nada mais é que uma ordem específica de autoridade administrativa com competência legal (inspetores, delegados e etc) para a realização de procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, em especial nos casos de constatação de contrabando, descaminho ou qualquer outra prática de infração à legislação tributária.
          O primeiro alerta é que o MPF é emitido, conforme prevê o decreto acima mencionado, exclusivamente em nome de um ou mais ocupantes do outro cargo da Carreira ARFB e apesar das genéricas e imprecisas atribuições que nos foram dadas pela Lei nº 10.593/02 (alterada pela Lei nº 11.457/07) não conseguimos vislumbrar a possibilidade legal de participação de um ATRFB nessas empreitadas. Até porque não é de hoje que algumas delegacias de julgamento da Receita Federal – DRJ’s vem tornando insubsistentes “Autos de Infração” que tiveram a participação de ATRFB’s (termos de retenção, termos de constatação e etc) em sua lavratura. Conclui-se pela necessidade urgente do estabelecimento de regra jurídica hábil para a participação de ATRFB’s nessas operações, desde que se sigam as observações sugeridas neste ensaio.
          Apenas para nos situarmos em um contexto jurídico, necessário se faz que se adote antes a classificação que aparta o termo “polícia” em duas classes – polícia de segurança e polícia administrativa -, sendo que a primeira tem por escopo defender os direitos dos indivíduos e do Estado (Policias Civil, Federal e Militar), e a segunda tem a finalidade de tutelar a boa ordem administrativa. Para Maria Silvia Zanella Di Pietro o poder de polícia é “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.”. Porém, essa restrição ao exercício dos direitos individuais, por sua vez, encontra limites, como já se manifestou o STF:

“Administração tributária. Fiscalização. Poderes. Necessário respeito aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e terceiros. Aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e de terceiros. Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional...” (grifamos) – Íntegra veja aqui.

          É óbvio que a Receita Federal possui e deve exercer esse poder na prevenção e repressão aos ilícitos tributários praticados por particulares que abusam de seus direitos, sem, contudo, deixar de observar os contornos para bem exercer essa faculdade, pois, interesses maiores residem na proteção dos direitos individuais dos cidadãos. Ressalte-se que de maneira nenhuma se considera aqui o exercício do poder de polícia desempenhado pela RFB incompatível com a proteção constitucional aos direitos fundamentais, pelo contrário, pois aquele objetiva resguardar o Sistema Tributário das ações danosas de alguns inescrupulosos. A real possibilidade administrativa de “separar o joio do trigo”. Tanto o exercício do poder de polícia quanto os direitos fundamentais são limitados pelos parâmetros estabelecidos pela Constituição e é necessário conhecer o exato contorno desses parâmetros.
          O art. 5º da Constituição da República de 1988, em seu inciso “XI”, estabeleceu que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, por seu turno o Supremo Tribunal Federal - STF, o verdadeiro “Guardião da Ordem Constitucional”, em interpretação extensiva, entendeu que mesmo se tratando de um escritório de advocacia, contabilidade ou mesmo de uma empresa, onde se exerce atividades profissionais, desde que não aberta ao público, terão o mesmo conceito de “casa”, portanto sujeito à proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar, havendo necessidade de ordem judicial para adentrá-la:

"Fiscalização tributária. Apreensão de livros contábeis e documentos fiscais realizada, em escritório de contabilidade, por agentes fazendários e policiais federais, sem mandado judicial. Inadmissibilidade. Espaço privado, não aberto ao público, sujeito à proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI). Subsunção ao conceito normativo de ‘casa’. Necessidade de ordem judicial. " (Íntegra veja aqui).

          Adentrar em estabelecimentos comerciais privados, contra a vontade do proprietário ou preposto, que não são abertos ao público, reter documentos, livros, computadores etc, sem um necessário e indispensável mandado judicial é um procedimento temerário, que não encontra guarida no atual ordenamento jurídico pátrio. Sujeitando os autores a sanções administrativas disciplinares e até judiciais. Ainda que se entenda legal tal procedimento e se realize tais operações com base exclusivamente em um MPF, as provas obtidas serão ilícitas, conseqüentemente frágeis e passíveis de não utilização, sequer, pelo Ministério Público, como vemos na decisão transcrita abaixo do STF:

"Administração pública e fiscalização tributária. Dever de observância, por parte de seus órgãos e agentes, dos limites jurídicos impostos pela constituição e pelas leis da República. Impossibilidade de utilização, pelo Ministério Público, de prova obtida com transgressão à garantia de inviolabilidade domiciliar. Prova ilícita. Inidoneidade jurídica (...)"

          O Supremo Tribunal Federal no HC 79.512, assim se posicionou, em decisão pedagógica, sobre a alegação do paciente de ilicitude da obtenção de provas mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas:

"Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas    ("em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determinação judicial" autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 1.1. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade. 1.2. Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca domiciliar e à apreensão de papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte, reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as diligências legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia. (....)" – grifamos.

          Portanto, resta bastante claro o posicionamento do STF para que se adentre em um estabelecimento empresarial somente de posse de um MPF: 1) terá que ser realizada de dia; 2) terá que ter consentimento de seu proprietário ou preposto, isto é, a entrada não poderá ser forçada em locais fechados, mas poderá acontecer em locais (lojas ou estabelecimentos comerciais) abertos ao público. Observadas essas premissas é possível a utilização do MPF nesses procedimentos fiscalizatórios ou diligências.
          Sempre que houver indícios razoáveis de cometimento de ilícitos aduaneiros ou contra a ordem tributária os responsáveis pelos procedimentos fiscais deverão buscar apoio junto ao Ministério Público Federal, observando a legislação sobre sigilo fiscal do contribuinte, para a consecução de um Mandado Judicial de Busca e Apreensão, que será cumprido com a ajuda de força policial, sob pena de se ter todo o seu trabalho invalidado em instâncias administrativas ou mesmo judicial, colocando, ainda, em risco a integridade física e moral dos servidores participantes.
           Apenas para finalizar, não nos parece coerente admitir que o proprietário do domicílio que exerça o seu direito constitucional de inviolabilidade possa sofrer sanções administrativas como a multa por embaraço à fiscalização ou penais como a desobediência à ordem legal de servidor público. O exercício de um direito constitucional não pode ser fato gerador de penas, administrativas ou não. Porém ao mau contribuinte um recado: não tendo sido apresentado os livros ou documentos ao servidor do fisco, de modo a se constatar a veracidade das informações contidas em suas declarações, ou, mesmo a permitir ao fisco apurar o lucro tributável, segundo as regras aplicáveis ao regime de tributação com base no lucro real, correto é o arbitramento do lucro, em se tratando de tributos internos.
          O Mandado de Procedimento Fiscal, apesar das limitações constitucionais descritas acima, ainda se constitui em um excelente instrumento de suporte às atividades fiscalizatórias do Fisco Federal, pois preserva o controle das ações fiscais por parte da Administração Tributária, garante a transparência do procedimento ao contribuinte fiscalizado e restringe a possibilidade de uma eventual utilização da fiscalização como instrumento de coerção ilegal pelos agentes públicos contra terceiros praticadas em nome do Estado.

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